A prática permanente da impunidade no Brasil entre as figuras ocupantes de notórias posições públicas levou nossa sociedade à sede por punições a grandes políticos, empresários, juízes e outros “privilegiados”. Em nosso país, contudo, não costumamos encontrar fontes que saciem nossas sedes, quando muito, nos aparece algum vendedor circunstancial de água, que, por algum preço, fornece uma garrafa finita contendo nossos anseios. É o que tem sido a Polícia Federal, nos episódios de prisão e investigação desses grandes figurões públicos brasileiros.
Quando realiza suas operações, a PF não poupa esforços em dar visibilidade às ações. Além dos nomes curiosos – Satiagraha, Hurricane, Caixa de Pandora e a mais recente Operação Vauche – geralmente todas as câmeras possíveis se fazem presentes no momento em que as prisões e apreensões estão sendo desencadeadas – prisões fruto de investigações sigilosas, diga-se.
E em todos esses momentos célebres, lá estão os suspeitos algemados, simbolizando a contenção das mãos que mexeram indevidamente com o dinheiro público – é esta ou não é a sensação do público? Não obstante, esta não é a justificativa para o uso das algemas, que devem servir tão somente para conter aquele que pode tentar resistir à prisão, trazendo risco principalmente aos policiais. Sempre que o risco de resistência for patente, é legítimo e até indispensável o uso da algema.
Este policial que vos escreve sabe muito bem o quanto é subjetivo este risco de resistência. Ele pode ser caracterizado pelo furor físico, como empurrões e outras agressões, ou até mesmo com um sussurro no ouvido de um policial. Ou alguém deixaria desalgemado um preso que lhe dissesse calmamente que lhe mataria na primeira oportunidade que tivesse? Em algumas ocasiões, cabe, sim, a algemação. Em outras, não: os policiais que me lêem sabem bem desta realidade.
Celso Pitta, Jáder Barbalho e Daniel Dantas presos pela PF: algemados “para frente” |
Ah, mas há o símbolo. Mostrar apenas o rosto do sujeito preso ou mostrar apenas as mãos algemadas não possui o poder simbólico de matar aquela sede, de nos fazer ter a sensação de que, no Brasil, “ainda se faz justiça”. Rosto e algemas devem aparecer simultaneamente, negativando a figura pública, satisfazendo nosso fetiche pelo castigo.
Ao ver as cenas das prisões realizadas pela PF, com seus presos algemados “para frente”, manifestando rostos lúgubres, é inevitável lembrar de Michel Foucault, em Vigiar e Punir, que ao descrever a exibição dos suplícios no século XVII, dizia que “ele constitui o elemento que, através de todo um jogo de rituais e de provas, confessa que o crime aconteceu, que ele mesmo o cometeu, mostra que o leva inscrito em si e sobre si, suporta a operação do castigo e manifesta seus efeitos de maneira mais ostensiva”.
A Polícia Federal vem fornecendo goles de saciedade à sede de justiça que o brasileiro possui. Sob qual preço isto está sendo fornecido, e se é um preço justo, é preciso refletir, ou podemos nos tornar vítimas de estelionato.
Independente do jeito de ser algemado, bandido sempre será bandido, seja ele de colarinho branco ou não.
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