19 de jul. de 2010

fonte e autor: danilo ferreira


Nas polícias militares brasileiras há procedimentos que parecem existir apenas para justificar certo espírito de rigidez que insistimos em forjar interna corporis. Caso relevante nesse sentido é a existência da detenção como pena para faltas administrativas cometidas por policiais.

Apesar de algumas polícias já terem se livrado deste expediente como medida disciplinar, como a Polícia Militar do Rio de Janeiro, a maioria das PM’s ainda insiste na manutenção da detenção administrativa em seus regulamentos – em boa parte delas, nem se discutiu ainda sobre sua extinção.

A detenção enquanto pena para falhas administrativas é uma medida de desvalorização profissional, incondizente com o status democrático em que vivemos, e com o status de cidadão que o policial militar possui, e, mais do que isso, de fomentador da cidadania.

Ressalte-se, para o leitor desinformado, que aqui não estou me referindo ao policial que comete crime, devendo este ser punido conforme ocorre com os demais cidadãos. Questiono, por exemplo, a detenção em virtude dum atraso, ou de outra falta que traga prejuízo ao serviço público.

“Não se deve confundir o poder disciplinar da Administração com o poder punitivo do Estado, realizado pela Justiça Penal. [...] a punição criminal é aplicada com finalidade social [...]. A punição disciplinar e a criminal têm fundamentos diversos, e diversa é a natureza das penas”, diz o teórico do Direito Administrativo, Hely Lopes Meirelles.

A prisão penal tem fins de afastar o cidadão infrator da sociedade – que está correndo risco de ser lesionada pelo criminoso enquanto permanecer com seu intento; daí surge o conceito de “socialização” do preso, que infelizmente não tem funcionado, principalmente pelas precárias condições das cadeias e presídios brasileiros. Não se admite em ambientes jurídicos democráticos, tal qual o regido pelos nossos princípios constitucionais, a punição por pura vingança, como os suplícios da Idade Média, bem esboçado por Michel Foucault em seu “Vigiar e Punir”.

E não é mais do que uma “vingança” a detenção imposta ao policial militar indisciplinado. Restringir a liberdade e outras formas de coerção física é, em qualquer lugar do mundo, a última medida adotada contra o ser humano, apenas adotada quando se trata de situações-limite. Tornar uma classe profissional a exceção para este mandamento é despojá-la do título de cidadã, conforme se quer que as polícias sejam.

Vejamos o que a Lei 8.112/90, que impõe o regime jurídico dos servidores civis da União estabelece como penalidades disciplinares:

Art. 127. São penalidades disciplinares:

I - advertência;
II - suspensão;
III - demissão;
IV - cassação de aposentadoria ou disponibilidade;
V - destituição de cargo em comissão;
VI - destituição de função comissionada.

O curioso é que em muitas PM’s as medidas acima, como a destituição de cargo em comissão, são amplamente utilizadas como punição, apesar de não estarem devidamente previstas como tal. O “corte do ponto”, onde o servidor obrigatoriamente não trabalha e não recebe (proporcionalmente) é outra medida possível e certamente mais inteligente de punição – suspeito que seja até mais eficiente.

As unidades de polícia, a cada dia que passa, se tornam menos “aquarteladas”, perdendo as características e estruturas de caserna – pela demanda de aproximação da comunidade e enxugamento dos gastos públicos. Prender profissionais por faltas administrativas é antidemocrático, ineficiente, oneroso e tem conseqüências nefastas para o presente objetivo de formar polícias cidadãs.

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