30 de nov. de 2009

Curitiba pode virar Rio? Em Curitiba, há regiões onde só a Rone consegue entrar por ter poder de fogo.


O morticínio de um mês atrás no bairro Uberaba ainda produz eco no inconsciente dos curitibanos. Duas semanas depois da chacina com oito mortes, as imagens do helicóptero da polícia abatido por traficantes no Rio de Janeiro prestaram força a uma sensação de insegurança já não mais restrita a uma cidade ou estado. O medo se alastrou. Em Curitiba, onde metade da população já foi alvo de algum tipo de violência, 8 entre 10 pessoas têm as piores previsões quanto ao futuro da segurança pública na capital. Consulta popular realizada com exclusividade pelo instituto Paraná Pesquisas para a Gazeta do Povo revela o ta­­manho do descrédito.



Incitados a refletir sobre a segurança pública em Curitiba e região metropolitana, 77% dos consultados acreditam que a capital pode um dia chegar aos padrões de violência do Rio. A razão está na disseminação das drogas, que para 94% dos entrevistados contribuem muito para a violência urbana. Tanto que 64% deles afirmam conhecer usuários de maconha, crack ou cocaína. Não só isso, 32% disseram conhecer algum traficante de drogas ou já ouviram algum conhecido ser apontado como tal. Dos entrevistados, 53% disseram já terem sido alvos de violência, como assalto, furto ou agressão. Em 54% dos casos, o agressor tinha envolvimento direto ou indireto com as drogas.


A pesquisa reflete um danoso efeito da crise na segurança pú­­blica: o aumento da sensação de insegurança mesmo en­­tre quem não foi diretamente atingido. A repercussão de casos extremos de violência, como a chacina em Curitiba ou o abate do helicóptero da polícia no Rio, tende a alastrar o me­­­do mesmo nas regiões não atingidas. Para o doutor em Sociologia Fernando Salla, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Uni­versidade de São Paulo, apesar do debate público que vem provocando, a segurança pública no Brasil é considerada politicamente desgastante pelas autoridades, que evitam mantê-la no centro de suas preo­­­cupações.



Mesmo fora das discussões políticas, esse é um dos temas que mais preocupam os cidadãos, como revela o resultado da consulta popular da Paraná Pesquisas, que fez 500 entrevistas pessoais a maiores de 18 anos em Curitiba nos dias 27 e 28 de outubro. Apesar do pessimismo dos seus habitantes, a capital está muito longe de se tornar algo parecido com o que o Rio de Janeiro é hoje. Há cinco explicações fundamentais: 1) as ocupações irregulares onde o tráfico se estabeleceu são bem mais antigas no Rio, e bem maiores do que as de Curitiba; 2) a topografia carioca, com diversos morros invadidos, dificulta o acesso da polícia e facilita o controle do tráfico; 3) os traficantes curitibanos têm menor cacife ofensivo se comparados aos cariocas, onde o tráfico envolve criminosos com alto poder de fogo, com muito dinheiro, capazes de dominar comunidades e pagar agentes públicos; 4) Curitiba tem 1,9 milhão de habitantes enquanto o Rio tem 7,5 milhões, e a importância do tráfico se mede também pelo tamanho e pelo potencial do seu mercado consumidor; 5) proporcionalmente à população e aos problemas que enfrenta, a estrutura policial do Paraná é melhor do que a fluminense, e conta ainda com o 181 Narcodenúncia, que colabora com a polícia para retirar traficantes de circulação.

O tráfico é imbatível?


O tráfico de drogas está longe de ser um adversário imbatível. A repressão, contudo, precisa competir com, no mínimo, a mesma característica do crime: a organização. A falta de inteligência, de estrutura e de diálogo das polícias permite ao inimigo adquirir enormes proporções. Em Curitiba, há regiões onde só a Rone consegue entrar por ter poder de fogo. Para de­­sarticular os grandes e médios traficantes, há necessidade de investigações extensas sobre a rota usada para a chegada dos entorpecentes e armas e, especialmente, de apuração financeira, descobrindo laranjas e responsáveis pela lavagem do dinheiro das quadrilhas.


“Um grande traficante preso continua mandando de dentro da penitenciária. É preciso agir em uma área que acaba com qualquer quadrilha: a financeira”, diz Fernando Francischini, secretário municipal Antidrogas e delegado licenciado da Polícia Federal. “Sem dinheiro, o tráfico está quebrado. Isso se chama ‘visão capitalista de repressão do tráfico’”, explica. Sem planejamento prévio, os erros nas operações não demoram a aparecer. “E a política de segurança se resume a promover guerras no espaço público”, avalia Carolina Christoph Grillo, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.


No Paraná, os delegados estão sendo instruídos a investigar a lavagem de dinheiro. Na abertura do inquérito policial, também se apura a realização do crime financeiro. “Na última turma formada pela Escola da Polícia, busquei investigadores com qualificação em contabilidade e administração para auxiliar nesse treinamento”, diz o delegado-chefe da Divisão Estadual de Narcóticos (Denarc), Marcus Michelotto. Descobrir a estrutura financeira é quase como dissecar totalmente a quadrilha criminosa. “É o golpe final”, ressalta o delegado.


Integrar os bancos de dados das polícias Civil e Militar, além de órgãos como a Receita Federal, facilita esse trabalho. Também evita a realização de investigações duplas sobre quadrilhas ou pessoas. “Na Polícia Federal, quando prendíamos um traficante não era incomum receber ligação de outra corporação dizendo que também o estava investigando”, conta Francischini. Um setor central que concentrasse as informações resolveria o problema. “Os dados seriam compartilhados. Dali sairiam as grandes operações de combate ao tráfico. Isso acontece com sucesso nos Estados Uni­dos.”


Ninguém sabia?


Ninguém que tenha atuado nos primeiros escalões da segurança pública do Paraná nos últimos 40 anos pode se esquivar nem alegar ignorância. A cocaína já se espraiou por 6 entre 10 municípios do estado, o crack chegou a 8 entre 10 deles e, de todas as 399 cidades paranaenses, só 15 ainda não tiveram apreensões de maconha. Mais cedo do que tarde não haverá território livre das drogas no Paraná, onde o avanço do narcotráfico se dá principalmente pela sua condição geográfica. Por um bom tempo o estado não passava de corredor para que a maconha do Paraguai e a cocaína vinda da Colômbia e da Bolívia chegassem ao Rio e São Paulo.


Quem trabalha na segurança pública sabe – ou deveria saber – que invariavelmente todo estado ou país que se torna rota do tráfico um dia acaba virando também mercado consumidor. Assim, não tardou e parte das drogas começou a ser vendida nas principais cidades paranaenses. Portanto, o maior desafio é estancar os canais de entrada. O Paraná faz fronteira com o Paraguai, segundo maior produtor mundial de maconha (depois do México), de acordo com o Escritório das Nações Unidas contra as Drogas e o Crime, e numa triangulação paraguaia também recebe entorpecentes da Bolívia, o terceiro maior produtor de cocaína do mundo depois da Colômbia e do Peru.


Os entorpecentes entram pela fronteira que se estende de Foz do Iguaçu a Guaíra, ganham as estradas paranaenses rumo ao Rio e São Paulo, mas até chegar ao destino muitas cargas vão se fracionando ao longo do caminho. Dessa forma, segundo dados do Narcodenúncia 181, a cocaína já está presente em 238 municípios do Paraná, o crack chegou a 312 e a maconha já se alastrou por 384 deles.

fonte: gazetadopovo.com.br

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